13/12/23

"Forte" // "uma qualquer carta de amor, num sábado qualquer" // Them // "Classificados"

 "Forte"


é inglório.

uma pessoa carrega consigo

todas estas coisas no peito

e para as exprimir só tem palavras

que, comparativamente,

apenas conseguem ser

demais, insuficientes ou gastas.


É preciso reiventar a palavra

que mantenha a força

de um primeiro beijo.



"uma qualquer carta de amor, num sábado qualquer"


quando

veneno se dissipa

perante a prioridade 

da saudade

o milagre da 

transubstanciação

torna-se banal.


separados

ambos

desafiamos a noite

dançando;

deixando o abraço

em apertada surdina.


inevitável assim

o nome 

que escrevo:

meu, teu, nosso.



"Classificados"


Procura-se 
quem,
tendo plena noção da realidade,

insista no sonho.


04/12/23

"Burrice" // "Corpos Celestes" // Pogues // "Qualidades" // "Corpo"

 "Burrice"


Um jogo demora noventa minutos. Começa e termina com o som de um apito.
Uma aula com a chamada e termina com um toque sonoro e ordem de saída.
Numa peça bate o pau, sobe o pano, desce pano com aplausos.
O dia começa com os primeiros raios de luz e finda com o anoitecer.
As estações têm a sua data bem definida e delineada, 
até a infância a adolescência, a velhice,... são passíveis de arrumar em cómodas gavetas.
Só eu não sei 
o que fazer 
com todo este amor que tenho. 


"corpos celestes"

há um universo lá fora:
estrelas,
planetas,
constelações,
galáxias
e um espaço
entre braços
onde
desprovidos de orgulho e fé,
de tão parca 
necessidade de afirmar,
a liberdade 
se tornou obsoleta.



"Qualidades"

Ela tinha
um sorriso de fazer parar o trânsito,
simpatia para dar e vender,
facilidade em socializar,
ancas que causavam acidentes,...

de todas as suas qualidade
só lhe invejo
a memória 

milimétrica
do seu
peixinho dourado.



"Corpo"

percorremos quilómetros 
de estradas 
e lençóis.

o corpo
procura
outro corpo
que acrescente
e, inegavelmente,
recorde
de que é mais que um corpo,
presença,
metade
ou companhia.
e, sem existir
qualquer necessidade 
de completar,
consegue fazer
diferença
entre vazio e cheio

nos dias que correm
(mesmo quando se arrastam)
corpos enchem
cemitérios, lixeiras e hospitais

só loucos
insistem
e
enchem
corações
e corpos inteiros
com esperança.

29/11/23

"Língua Materna" // Leos Carax // "Um não-adeus" // Catherine Ribeiro

 "Língua Materna"


Não corro,
não choro,
não converso 
nem em prosa
nem em verso.
Não sei falar.

Pensava 
que cada ideia 
se exprimia correctamente
até se fazer som.
Mas ao chegar ao destino
o dialecto 
é estranho;
irreconhecível.

Os sons 
embora familiares
assumem outro significado
e, por sua vez,
também tudo o que ouço
me chega 
com deturpada interpretação.

Assim
todo eu me perco
em tentativas de tradução.
No esforço
de cantar,
expressar poesia e prosa,
numa língua
quando 
não sinto 
pátria alguma. 

Não preciso de gente
que simpatize e oriente 
o meu sentir, a minha dor.
Preciso de um tradutor. 

Les Amants du Pont Neuf (Leos Carax)

---"""---


"Um não-adeus"


Quis o destino que visses como te enganavam.
Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como te enganavas. Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como nos enganamos. Desculpa. Corrijo-me.  Quis o destino. Eu não quis.
Um homem-mulher e uma mulher-homem entendem-se ou tentam: apuram linguagem, estudam dialectos, eventualmente encontram um modo de ler e medir distância entre sonho e realidade. (apontando para o impossível. um erro que valha mais que mil sucessos. inocência sem ingenuidade).
Não há linguagem funcional enquanto homem-mulher ou mulher-homem se negarem.
não apenas a si mesmos, mas também negam se não aprendem o outro.
negamos se não nos predispomos a falhar.

na mais baixa expectativa, é isso que quero:
um tropeçar.
um  Magnífico Falhanço.  
 
E se te seguro entre braços
não é para que não caias.  


Sabes o que é bem mais eficaz que ler um blogue? Falar! 


22/11/23

"ZigZag ao pé coxinho" / Lambchop / "Um não-adeus" /

 "ZigZag ao pé coxinho"


Que venham das montanhas e da ribalta engraxar os sapatos dos pestilentos e fazer vénias ao nicles. Hoje todas as camisas serão bem engomadas! O nicles é um lugar seguro e aqui ninguém arrisca numa ciência desconhecida. Preferimos ficar aqui, seguros até que o bolor nos coma. Lá, ao longe, os cavalos relincham. O último comboio sai dentro de pouco tempo e eles sabem melhor que ninguém o que isso significa. Se cuspirmos para o ar pois não sabemos onde cai. Se morresse alguém não seria de fome! "Ti-Nó-Ni !" gritava o mais que podia atrás da ambulância, depois fiquei com a boca seca. A barriga relincha de reconhecimento. Limpei as beiças e chamei o empregado com um assobio curto e agudo. Articular difícil frases então era que reparei pouco durante. O senhor de cabeça amarela entra no café (estávamos no café? já não me recordo) tinha apenas cabelo dos lados, mas do lado direito o cabelo estava mais comprido e penteava-o para a esquerda sobre a sua brilhante careca amarela. Paguei e saí.Meio da tarde, no parque da Curia, empanturrado de leitão e vinho verde e com ganas de subir a uma árvore (esta parte é verídica! juro!). Pé aqui... mão ali... subiu-se! O apito do guarda não tardou a fazer-se ouvir. - "Não sabe que é proibido subir às árvores? Pode cair! Vou ter de lhe aplicar o procedimento!" E, dito isto abateu a árvore à machadada o que me fez saltar para outra árvore. Para o guarda tanto lhe fazia abater uma, duas ou mil. Saltei para o chão antes da machadada final. - "Vê que bem que se está cá em baixo! Poderia ter-se aleijado!" - "Tem toda a razão shô guarda! Toda a razão". Amanhã vou tirar o dia para o coração reaprender o ritmo antigo: Pum-pum ou tic-tac. Tanto se me faz como se me fez. Hoje com tanto zumbido de olhos castanhos só consigo arritmia. E com arritmia, o almoço nunca cai tão bem. Glu Glu Sr Peru! Força na venta, coragem no cu!




"Um não-adeus"

Quis o destino que visses como te enganavam.
Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como te enganavas. Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como nos enganamos. Desculpa. Corrijo-me.  Quis o destino. Eu não quis.
Um homem-mulher e uma mulher-homem entendem-se ou tentam: apuram linguagem, estudam dialectos, eventualmente encontram um modo de ler e medir distância entre sonho e realidade. (apontando para o impossível. um erro que valha mais que mil sucessos. inocência sem ingenuidade).
Não há linguagem funcional enquanto homem-mulher ou mulher-homem se negarem.
não apenas a si mesmos, mas também negam se não aprendem o outro.
negamos se não nos predispomos a falhar.

na mais baixa expectativa, é isso que quero:
um tropeçar.
um  Magnífico Falhanço.  
 
E se te seguro entre braços
não é para que não caias.  


16/11/23

"Unidades de Medida" // Rubber City - "Perdita" // "hora de ponta" // Captain Beefheart - "Clear Spot"

 "Unidades de Medida"


meio metro

pode ser

longe

como o amanhã 

e o ontem.


não há água suficiente

para tal incêndio

talvez 

atos e palavras

mas faz tempo

desde que a última nuvem 

agraciou este céu





"hora de ponta"


irrespirável, com ruas a abarrotar de escassas mas imperativas memórias.

horas a tactear antes de arriscar o mais pequeno passo.

não vá alguém, ignorando os sinais de perigo,

escorregar em vontade.


nesta cidade não basta sabermo-nos.

é no outro que reconhecemos nosso contorno.

mas quando braços não estendem, mãos não encontram 


composta por labirínticas e infindáveis ruas.

uma vez dentro só se sai trauteando uma canção.

conhecer a letra e melodia não é suficiente. é preciso recordar o momento.


a cidade inundada 

por rios de ausência.


e, 

se é verdade que gosto do perfume,

continuo a recusar colher flores

quando o jardim

basta.



08/11/23

Que diferença faz? // "Gota D'água" // Mendigos // "Grumpus"

"Que diferença faz?"


Que diferença faz
a telefonia
a conta do gás
a noite para o dia
de homem para rapaz
tristeza e alegria
em noite sem paz
perdido em nostalgia

Que diferença faz
a hora que passa
se é longa em minutos
e qualidade escassa 

Que diferença faz
Que diferença faz
o abraço 
que não dás

Que diferença faz
Que diferença faz
e eco vazio 
de queixa voraz

De gratuito a expontâneo
muita letra fora do lugar
muito esforço ou impulso 
muito santo sem altar



"mendigos"


A quem tem fome 

falta pão

A quem precisa 

falta tanto

A quem te acode

dá a mão

A quem te afasta

desencanto



04/11/23

"Esperanto" // "Sorrow on the Rocks"

 "Esperanto"


Bom dia
Como está?
Tudo de bom!
Então, adeus.

Buongiorno
Come stai?
Ti auguro il meglio!
Quindi, arrivederci.

Bonjour
Comment vas-tu?
Bonne journée!
au revoir.

Onomatopeias,
palavras,
frases,
dialectos,...

Nunca haverá entendimento
quando não é mútua 
a vontade
de uma língua comum.



30/10/23

"um qualquer domingo" // Gavin Bryars // "reencontro"

 "um qualquer domingo"


sem vergonha no numero 
salvo se ele exprime 
desperdício 
e, sabendo o chão em chamas,
é importante 
o modo 
como 
optamos 
arder





"reencontro"


senhora

não negueis

que em vosso ventre

nasce e morre

desejo de homens mil

e se uns nome não têm

outros em vão se esforçam


Senhora

vede

que hoje chove não só nas ruas

que o frio

tem sangue quente

que os dias pedem licença para nascer

que a própria terra ...

treme!

de saudade.

olhai que paz

nos pais

que amparam nos braços

enquanto mães descansam.

reparai

que até moribundos

cantam

uma canção para vós

e que,

mesmo sem nome botânico

perfumais

tudo o que vosso nome toca


Senhora

abençoai os aflitos

que nada têm para se queixar

senão essa maleita

de quem se viu um dia

livre de toda a tormenta

em vossos braços

e aí

ouviu seu nome pela primeira vez

em sacro batismo

"teu"

"meu"

"nosso"


Senhora

vede que fome

Senhora

vede que sede

que todo este mundo tem

de ti


23/10/23

5 rabiscos // Aldous Harding + Marlon Williams


"técnicas"

não adianta 
pedir
ou amordaçar
e outros lábios
apenas o tornam 
ensurdecedor.

o grito 
do desejo
só se cala
abocanhando 
o sexo.

"injusto"

é injusto
desculpem
mas é injusto
todo o modo como
em todo este caminho 
arrogantemente
e sem olhar a danos colaterais
o mundo
insiste 
em não se vergar
a todos
os meus caprichos

"endereço trocado"

se igual
apenas em nome
ao passo que
em idade,
trato,
modo de expressar
e sobretudo
usufruto
tudo difere.

ao entregar 
contornos, texturas e cheiros
que culpa tenho eu
quando recorrentemente
o carteiro
se engana no endereço?

"Senhora..."

no deserto
tudo é físico
não há espaço
para poesia

daí 
a sede.


"ausências"

o despertador toca
ordeno a todas as ausências
que permaneçam imóveis

depois
quase normal
uma, duas,três
nove horas.

saio,
ladro a quem passa,
uivo à lua,
pego em mim
e no vazio em mim
seguro-o entre mãos
grito-lhe,
embebedo-o.
se ele ganha face 
e contornos
fixo-lhe os olhos.
quase 
o amo.

depois....
fecho o dia
com a certeza
de que não há na vida 
nada de tão bom 
que eu não consiga estragar.

28/09/23

“historias” / Bowie / e então? / YMG

 “historias”


Mais que corpo e alma, pessoas são histórias. 

Há histórias que não preciso saber como acabam, histórias que gostaria de saber como acabam e histórias em que preciso saber. São essas as pessoas que amamos. É daí que o amor que pais e mães têm pelos filhos é evidente (Salvo raras excepções de ausência de afecto, na medida que lhes for possível precisam saber).

Assim, há histórias que precisamos conhecer e outras ainda que escrevemos a 2 mãos. 

Esta finda aqui para que, com menos tinta e mais afecto, outra possa continuar.




"E então?"

Dormi mal, e então? 
Fui trabalhar, e então? 
Atendi pais, e então? 
Almocei, e então? 
Fui interrogado, e então? 
Sinto um carinho parental incapaz de se expressar, e então? 
Regressei com vontade de desistir, e então? 
Insisto, e então?  
Ainda, e então? 
Amo. Por vezes parece que não sirvo para muito mais. 
Sei que não chega.
e então? 


23/09/23

"solilóquio" // Asas Fechadas

 "solilóquio"


(os sonhos não se agarram.
tentam-se escrever,
tentam-se pintar,
por vezes quase se filmam.

por vezes quase se tentam.)


sabes,

também eu sonhava

ser

"normal"

um doce embalo,

um príncipe de face meiga

e carinhosos gestos.

não sou quem procuram.

não aprenderei a ficar

em animação suspensa

onde "não és".

não quero

novamente,

recorrentemente,

apontar

o erro na lógica.

já tens idade.

caprichosa como o tempo,

velha como eu


deita-se fogo às chamas.
insulta-se o vazio
e os espaços entre o vazio.

sabes ...

já tudo foi feito, pensado,...


é cada vez mais difícil

encontrar espaço para o voo.
só filhos da puta sem ilusões

têm forças

para se iludir.

fazendo perdurar

contos de fadas.


em vão. 


elevo aos mãos aos céus para amparar os meus sonhos

elevo aos mãos aos céus para amparar os meus sonhos

elevo aos mãos aos céus para amparar os meus sonhos


15/09/23

"brincadeira" / Chicago Underground / "cinco horas da tarde" / Cap'n Jazz

 "brincadeira"


reconhecer,
no abismal escárnio
do tempo,
sedutora melopeia

se a voz
se torna audível
apenas 
para conjurar
ladainhas
na vertigem
de fintar
a morte
em vida

fantasmas 
atravessam paredes
homens 
não

---"""---






---"""---



"cinco horas da tarde"

qual o sentido
da palavra
que morre 
antes
da boca?

qual o sentido 
se a luz do quarto 
decreta silêncio 
nos cobertores

sem tempo 
não há sossego,
se sossego
o tempo sobra

és o que não és
quero o que não quero
serei o que não sou

anda,
chega,
senta.

vamos fazer

sentido