09/05/24

Feio / Bonito

"Estado da Nação"

Olha, e o foda-se?
e o caralho?
E o caralho que ta fôda?
E a puta que pariu o caralho que ta fôda? 
E o cu? E a cona? e a piça? 
E a piça no cu da cona do caralho que ta fôda na puta que pariu?
E ranho? E pus? E vómito?
E esporra? 
Em cima dos pais e dos filhos e do cão e do gato! 
E do espírito santo-Amen
E a conta da terapia? E a da medicação?
E a atenção?
E o coração?
E a puta do coração? 
E o potencial de transubstanciação? 
E a capacidade ou incapacidade
de estar calado
a suportares-te 
a ti mesmo?


Então, e tu, como estás?
Ça va? 


---"""---



Pronto, e agora respirar e coisas bonitas :
(Sim, é a m'nina de Portishead ! )


08/05/24

4 rabiscos e 2 musicas

 


"analepse"

(aos que neste mundo
assassinam pardais 
com piscadelas de olho
e guardam
fisgas
para fachos)

se estável 
enfado
se oscilante
apaixono
se inquieto
reclamo
se encontro
questiono

no quanto não sei
defino
no quanto procuro
perco

se sincero fosse
talvez
admitisse
a paz 
entre braços 
e raros,
pontuais
e muy seletivos
cruzamentos de olhar.
como hoje 
não o vou ser
minto
com verdades 
nas entrelinhas.

se estável:
enfado
se oscilante:
apaixono
se inquieto:
reclamo
se encontro:
questiono

abandono

me
aí 


---"""---

"Condolências / Declarações"


Sinto muito.

Sinto tanto.


---"""---



“poeira (2ª versão)”

quero um sonho em que não vacilo
e ao acordar
não vacilar

um sonho em que sou sempre forte
para ao acordar
aceitar
a minha fragilidade

um sonho em que sussurro
adeus
sem esperar
um até já

as pessoas
da terra
onde todas as bebidas
são gratuitas
e
onde trazem canapés
em travessas douradas,
todas essas pessoas
abastadas,
bonitas,
novas
e as novamente bonitas;
deviam deitar-se,
adormecer
e acordar
para um novo sonho.

em que que cooperação
supere a competitividade

em que riqueza mórbida
é descrita nos mais elementares
manuais de saúde
como doença mental
e a terapia para essa maleita
obrigatória

quero um sonho
em que amo
apenas
o suficiente

um sonho onde,
mesmo com a história
de todas as mazelas
escritas em memória e corpo,
ninguém tem
medo de dar voz
a afectos

um sonho
onde
tudo é gratuito
começando
pelo teu
sorriso.

quero um sonho
ou dois
ou um sonho a dois,
uma esmola
para o santinho,
uma fuga
para definitivamente
parar de fugir.

eu sei,
quero sempre tanto!
mas por vezes

uma peça de fruta

basta!

---"""---

"olha que bela lua"


ele 
toma café.
fuma para parecer fixe.
faz amigos da Lituânia
e esquece-se que é o DJ.

ele faz videos e fala na terceira pessoa
e tem cds com cavalos a mijar.
sente a memória regressar:
beija um casaco 
como quem não quer incomodar;
como quem pede desculpa
por gostar.

desliga o som e mesa,
sopra,
apaga as velas,
passa o pano,
limpa o álcool do piano.

faz mala, veste casaco, 
entra no carro, dirige,
pensa num sofá
e em filmes dos anos 80.

renega o lucro como dogma
embala-se teimoso
com o mesmo refrão
como quem não se verga 
a tempo, rotina ou evidências
cósmico afecto
como quem reza.

tudo é nosso.
nada é nosso.

excepto talvez 
o que sente.

irritantemente?
persistentemente?

tem problemas de ansiedade,
é overthinker 
(assim, chique e em inglês!)
tem medicação para ambos  
(mas não para o inglês)
acha que quem nunca enlouqueceu 
deve ter uma vida 
enfadonha 
p'a chuchu.

não és tu.
mas há erros 
com perfume
que embala.
e uma noite bem dormida
não é nada,
mesmo nada

de descurar. 


17/03/24

"Sentimental" // Keeley Forsyth

"Sentimental"


Se disparo atinjo.

Se agrido minto.

Se odeio finjo.

Se sussurro sinto.

Se insisto desprezo conselhos de sábios.

Se te chamo é porque gosto do som que me escapa dos lábios.

venho ver o sol desaparecer
de barriga 
cheia
de flores
precavendo longa hibernação 

Se caminho é por amor a cada passo.

Se escrevo é porque não abraço.

---"""---



Affected by the themes of domestic duty, poverty, love, and compassion depicted in Bela Tarr’s final film, ‘The Turin Horse’, Forsyth contacted its composer and Tarr’s long-time collaborator Mihály Vig to ask for permission to ‘reimagine’ his soundtrack score. With his blessing, the resulting track ‘Horse’ is a pressurised outpouring, steadily building as the everyday is cast within a new mythical light of survival and hope. The repetitive banalities of life become epic as the character attends to the needs of others. “The fire must keep / My father must sleep / Around this house I creep”.

19/02/24

"poder, dever, querer" // Irreversible Entanglements

 "poder, dever, querer"


A cada 
não posso
questiono
a força 
que cala
a verdadeira
voz

E
quantas 
desilusões
nos convenceram 
e
tiraram 
o deslumbre 
do desconhecido
deixando certezas
que nunca
foram 
nossas?

A cada
não devo,
questiono
quando partiu
o
coração.

E
quantas vezes
se teve ele 
de privar
para 
permitir 
continuar 
e assim
preservar 

vida?

A cada 
não quero
questiono
o que 
farei
para jantar
com que história
me embalo
hoje. 

Também eu
gostava
de aprender
a ouvir

não quero
num
não posso
num
não devo

mas,
apesar de professor,
nunca fui 
bom aluno.

"à justa" // Charles Bradley

 "à justa"


real
mente
mente

cabe
a cada olho
chorar
pelo que 
bem entender,
fixar
onde 
apetecer.

cabe
a cada
palavra
saber quem é:
bala,
promessa,
poema.

cabe 
a cada
memória
desaparecer
ou alongar-se
em ruidosa
surdina

cabe 
à poesia
anoitecer,
florir
repetidamente
no mais infértil
coração,
dez anos
"trocando de assunto"

cabe 
ao caminhante
escolher canção,
conhecer
cada pedra
pelo nome,
amar 
caminho
mais 
que chegadas.

cabes
coube
coubemos
caberemos

é
realmente


14/02/24

"São Valentim" // Gilberto Gil // "Aroma"

 "São Valentim"


uma noite mal dormida,
uma pança de chocolate,
uma comodidade
sem interruptor,
alergia a flores.

um capricho descartável.
rua de um sentido
com trânsito interrompido.

uma
punheta 
sem nome.


"Aroma"

Demasiado
mas não cheio:

de espaço suficiente
e a mais

aceitável
mas inexistente

satisfatório
em privação

Preparado para uma vida sozinho
Inepto para uma determinada ausência. 

Demasiado
o espaço 
entre os corpos

08/02/24

"Encomendas" // Joan of Arc // "Carta" // Keeley Forsyth // "Assunto"

 "Encomendas"


são sempre assim:
tempo demais 
de olhos no passado
à espera no cais.

de malas feitas
coração na mão
sem saber quanto 
tempo 
para nova embarcação.

sem saber
qual das preces
deus
vai finalmente
dignar-se 
a atender.


"Carta"


ao escrever "saudade"
escolho cuidadosamente cada palavra
pois onde flores quero nascem balas
e se as deixo penduradas
há sempre quem venha
medir a que altura 
pairam do chão.


"Assunto"

Ás vezes 
pego num dia assim 
(como este)
como quem pega num copo.

Se o encontro manchado 
agarro-o pela goela, 
espeto-lhe poesia  
olhos adentro 
e bebo 
até dela me embriagar.

Não me  resolve 
o recorrente problema 
das horas
mas mata-me temporariamente 
a sede.

23/01/24

"Gestão" // Bill Callahan & Kath Bloom // "janela"

 "Gestão"


Calma!
Tenho 
cada vez menos
tempo
para tudo
que
não tem
alma



"Janela"

Perante a janela fechada
observa o pássaro 
que ferozmente
movimenta folhas secas no chão:
"foda-se esta folha! 
e esta! 
e mais esta!"

olhando o exterior,
toca-se
com a ternura
ausente de tudo
quanto antes se manifestou.

É claro,
pássaros não falam.
Talvez queiram
mas 
"não podem".

Essa voz 
é
filha, mãe, mulher,
filho-homem
a apontar desejo
a pássaros
através da janela.

Já eu
sempre que posso
mato 
sede 
aos corvos.

14/01/24

"Convites" // Them // "Parva" // Wilson Pickett // Pogues

 "Convites"


Anda daí 
parar 
de questionar.

fugir 
para parar de fugir.

dar sentido, 
perder sentido 
e recorrentemente 
redefinir.

Vamos juntos
fazer silêncio. 


"Parva"

Saudade do que foi
guardada num ecrã,
Saudade da promessa
escondida no amanhã.

Saudade de amizade
Saudade sem travão 
Saudade de mim mesmo
Saudade de coração 

Saudade de conversa
Saudade de abraço
Saudade de saudade
Saudade de cansaço 

Saudade da presença
que assusta e encanta,
Saudade do pintelho 
alojado na garganta. 



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03/01/24

"passagem de ano" // "cadavre non-exquis" // Cave & Shane // "Palcos"

 "passagem de ano"


era meia noite

exacta

quando começaram

quinze minutos

de ininterruptos

fogos de artifício.


pessoas aos milhares 

enchendo ruas e bares 

do seu júbilo, ruído, 

danças, embriaguez, 

promessas, esperanças 

e tanta felicidade 

quanto se consiga apanhar.


ao amanhecer

não se ouvem buzinas,

nem conversas,

nem musica.


chovia 

e não trovejava.


predisponho para nova linguagem,

construo com as mãos e

danço sonhos

na expectativa 

de novas tempestades.


permaneço

fogo

sem artifício.


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"cadavre non-exquis"


- confias em mim?

- sim

- de coração?

- nas mãos

- dividido em três?

- pai, filha e espírito

- santo?

- parvo!

- seremos?

- somos.



"Palcos"


sopro, sufoco e intervalo 

sem a graça do bom deus 

nem médico que possa ajudar


deixai ir 

matar a sede 

em rios que acabaram de secar 


cem barris de pólvora 

prontos a explodir   

mil promessas 

por cumprir 


sapatos gastos de procurar 

alguém que saiba conversar 

numa 

    língua 

        ainda

            por inventar.