29/11/23

"Língua Materna" // Leos Carax // "Um não-adeus" // Catherine Ribeiro

 "Língua Materna"


Não corro,
não choro,
não converso 
nem em prosa
nem em verso.
Não sei falar.

Pensava 
que cada ideia 
se exprimia correctamente
até se fazer som.
Mas ao chegar ao destino
o dialecto 
é estranho;
irreconhecível.

Os sons 
embora familiares
assumem outro significado
e, por sua vez,
também tudo o que ouço
me chega 
com deturpada interpretação.

Assim
todo eu me perco
em tentativas de tradução.
No esforço
de cantar,
expressar poesia e prosa,
numa língua
quando 
não sinto 
pátria alguma. 

Não preciso de gente
que simpatize e oriente 
o meu sentir, a minha dor.
Preciso de um tradutor. 

Les Amants du Pont Neuf (Leos Carax)

---"""---


"Um não-adeus"


Quis o destino que visses como te enganavam.
Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como te enganavas. Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como nos enganamos. Desculpa. Corrijo-me.  Quis o destino. Eu não quis.
Um homem-mulher e uma mulher-homem entendem-se ou tentam: apuram linguagem, estudam dialectos, eventualmente encontram um modo de ler e medir distância entre sonho e realidade. (apontando para o impossível. um erro que valha mais que mil sucessos. inocência sem ingenuidade).
Não há linguagem funcional enquanto homem-mulher ou mulher-homem se negarem.
não apenas a si mesmos, mas também negam se não aprendem o outro.
negamos se não nos predispomos a falhar.

na mais baixa expectativa, é isso que quero:
um tropeçar.
um  Magnífico Falhanço.  
 
E se te seguro entre braços
não é para que não caias.  


Sabes o que é bem mais eficaz que ler um blogue? Falar! 


22/11/23

"ZigZag ao pé coxinho" / Lambchop / "Um não-adeus" /

 "ZigZag ao pé coxinho"


Que venham das montanhas e da ribalta engraxar os sapatos dos pestilentos e fazer vénias ao nicles. Hoje todas as camisas serão bem engomadas! O nicles é um lugar seguro e aqui ninguém arrisca numa ciência desconhecida. Preferimos ficar aqui, seguros até que o bolor nos coma. Lá, ao longe, os cavalos relincham. O último comboio sai dentro de pouco tempo e eles sabem melhor que ninguém o que isso significa. Se cuspirmos para o ar pois não sabemos onde cai. Se morresse alguém não seria de fome! "Ti-Nó-Ni !" gritava o mais que podia atrás da ambulância, depois fiquei com a boca seca. A barriga relincha de reconhecimento. Limpei as beiças e chamei o empregado com um assobio curto e agudo. Articular difícil frases então era que reparei pouco durante. O senhor de cabeça amarela entra no café (estávamos no café? já não me recordo) tinha apenas cabelo dos lados, mas do lado direito o cabelo estava mais comprido e penteava-o para a esquerda sobre a sua brilhante careca amarela. Paguei e saí.Meio da tarde, no parque da Curia, empanturrado de leitão e vinho verde e com ganas de subir a uma árvore (esta parte é verídica! juro!). Pé aqui... mão ali... subiu-se! O apito do guarda não tardou a fazer-se ouvir. - "Não sabe que é proibido subir às árvores? Pode cair! Vou ter de lhe aplicar o procedimento!" E, dito isto abateu a árvore à machadada o que me fez saltar para outra árvore. Para o guarda tanto lhe fazia abater uma, duas ou mil. Saltei para o chão antes da machadada final. - "Vê que bem que se está cá em baixo! Poderia ter-se aleijado!" - "Tem toda a razão shô guarda! Toda a razão". Amanhã vou tirar o dia para o coração reaprender o ritmo antigo: Pum-pum ou tic-tac. Tanto se me faz como se me fez. Hoje com tanto zumbido de olhos castanhos só consigo arritmia. E com arritmia, o almoço nunca cai tão bem. Glu Glu Sr Peru! Força na venta, coragem no cu!




"Um não-adeus"

Quis o destino que visses como te enganavam.
Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como te enganavas. Desculpa. Corrijo-me. Quis o destino que visses como nos enganamos. Desculpa. Corrijo-me.  Quis o destino. Eu não quis.
Um homem-mulher e uma mulher-homem entendem-se ou tentam: apuram linguagem, estudam dialectos, eventualmente encontram um modo de ler e medir distância entre sonho e realidade. (apontando para o impossível. um erro que valha mais que mil sucessos. inocência sem ingenuidade).
Não há linguagem funcional enquanto homem-mulher ou mulher-homem se negarem.
não apenas a si mesmos, mas também negam se não aprendem o outro.
negamos se não nos predispomos a falhar.

na mais baixa expectativa, é isso que quero:
um tropeçar.
um  Magnífico Falhanço.  
 
E se te seguro entre braços
não é para que não caias.  


16/11/23

"Unidades de Medida" // Rubber City - "Perdita" // "hora de ponta" // Captain Beefheart - "Clear Spot"

 "Unidades de Medida"


meio metro

pode ser

longe

como o amanhã 

e o ontem.


não há água suficiente

para tal incêndio

talvez 

atos e palavras

mas faz tempo

desde que a última nuvem 

agraciou este céu





"hora de ponta"


irrespirável, com ruas a abarrotar de escassas mas imperativas memórias.

horas a tactear antes de arriscar o mais pequeno passo.

não vá alguém, ignorando os sinais de perigo,

escorregar em vontade.


nesta cidade não basta sabermo-nos.

é no outro que reconhecemos nosso contorno.

mas quando braços não estendem, mãos não encontram 


composta por labirínticas e infindáveis ruas.

uma vez dentro só se sai trauteando uma canção.

conhecer a letra e melodia não é suficiente. é preciso recordar o momento.


a cidade inundada 

por rios de ausência.


e, 

se é verdade que gosto do perfume,

continuo a recusar colher flores

quando o jardim

basta.



08/11/23

Que diferença faz? // "Gota D'água" // Mendigos // "Grumpus"

"Que diferença faz?"


Que diferença faz
a telefonia
a conta do gás
a noite para o dia
de homem para rapaz
tristeza e alegria
em noite sem paz
perdido em nostalgia

Que diferença faz
a hora que passa
se é longa em minutos
e qualidade escassa 

Que diferença faz
Que diferença faz
o abraço 
que não dás

Que diferença faz
Que diferença faz
e eco vazio 
de queixa voraz

De gratuito a expontâneo
muita letra fora do lugar
muito esforço ou impulso 
muito santo sem altar



"mendigos"


A quem tem fome 

falta pão

A quem precisa 

falta tanto

A quem te acode

dá a mão

A quem te afasta

desencanto



04/11/23

"Esperanto" // "Sorrow on the Rocks"

 "Esperanto"


Bom dia
Como está?
Tudo de bom!
Então, adeus.

Buongiorno
Come stai?
Ti auguro il meglio!
Quindi, arrivederci.

Bonjour
Comment vas-tu?
Bonne journée!
au revoir.

Onomatopeias,
palavras,
frases,
dialectos,...

Nunca haverá entendimento
quando não é mútua 
a vontade
de uma língua comum.