19/02/24

"poder, dever, querer" // Irreversible Entanglements

 "poder, dever, querer"


A cada 
não posso
questiono
a força 
que cala
a verdadeira
voz

E
quantas 
desilusões
nos convenceram 
e
tiraram 
o deslumbre 
do desconhecido
deixando certezas
que nunca
foram 
nossas?

A cada
não devo,
questiono
quando partiu
o
coração.

E
quantas vezes
se teve ele 
de privar
para 
permitir 
continuar 
e assim
preservar 

vida?

A cada 
não quero
questiono
o que 
farei
para jantar
com que história
me embalo
hoje. 

Também eu
gostava
de aprender
a ouvir

não quero
num
não posso
num
não devo

mas,
apesar de professor,
nunca fui 
bom aluno.

"à justa" // Charles Bradley

 "à justa"


real
mente
mente

cabe
a cada olho
chorar
pelo que 
bem entender,
fixar
onde 
apetecer.

cabe
a cada
palavra
saber quem é:
bala,
promessa,
poema.

cabe 
a cada
memória
desaparecer
ou alongar-se
em ruidosa
surdina

cabe 
à poesia
anoitecer,
florir
repetidamente
no mais infértil
coração,
dez anos
"trocando de assunto"

cabe 
ao caminhante
escolher canção,
conhecer
cada pedra
pelo nome,
amar 
caminho
mais 
que chegadas.

cabes
coube
coubemos
caberemos

é
realmente


14/02/24

"São Valentim" // Gilberto Gil // "Aroma"

 "São Valentim"


uma noite mal dormida,
uma pança de chocolate,
uma comodidade
sem interruptor,
alergia a flores.

um capricho descartável.
rua de um sentido
com trânsito interrompido.

uma
punheta 
sem nome.


"Aroma"

Demasiado
mas não cheio:

de espaço suficiente
e a mais

aceitável
mas inexistente

satisfatório
em privação

Preparado para uma vida sozinho
Inepto para uma determinada ausência. 

Demasiado
o espaço 
entre os corpos

08/02/24

"Encomendas" // Joan of Arc // "Carta" // Keeley Forsyth // "Assunto"

 "Encomendas"


são sempre assim:
tempo demais 
de olhos no passado
à espera no cais.

de malas feitas
coração na mão
sem saber quanto 
tempo 
para nova embarcação.

sem saber
qual das preces
deus
vai finalmente
dignar-se 
a atender.


"Carta"


ao escrever "saudade"
escolho cuidadosamente cada palavra
pois onde flores quero nascem balas
e se as deixo penduradas
há sempre quem venha
medir a que altura 
pairam do chão.


"Assunto"

Ás vezes 
pego num dia assim 
(como este)
como quem pega num copo.

Se o encontro manchado 
agarro-o pela goela, 
espeto-lhe poesia  
olhos adentro 
e bebo 
até dela me embriagar.

Não me  resolve 
o recorrente problema 
das horas
mas mata-me temporariamente 
a sede.