28/02/25

Dançar

 ... não resolve

mas ajuda.





"lição de voo" // Ride

"lição de voo"

nunca estaremos prontos
até decidirmos estar prontos

qualquer atividade 
acarreta risco variável 
consoante o tamanho 
da predisposição 
para o salto
sem rede

o mundo 
precisa
desesperadamente 
de sonhadores
mais audazes

se insisto
é porque não sei
não ser

 

19/02/25

conforto // Lynch


Às vezes,
fico horas sentado,
a tentar lembrar
porque se tornou pesado
o silêncio.

Como quem mantem esperança 
de descortinar algo mais.

Ávido de aprender.

De consolo 
saber que 
só saindo da zona de conforto
a forçamos a expandir.

(De que serve 
uma zona de conforto
que é prisão?

De que serve 
um mecanismo de defesa
que nos isola?)

E, 
no entanto,
de que serve também
reconhecer coragem,
ter vontade,
fé (?)
ou mesmo
todo o conhecimento,
sem abraços?

Aprendizagem feita,
de que serve
toda esta vontade
de abolir fronteiras
se sou assoberbado
na direção 
de quem as insiste em manter?

Toda a minha vontade
tem de saber parar 
no meio termo.

Toda a esperança 
tem de acreditar
que mereço 
quem me encontre aí.

Por vezes inatingível,
é certo.

Mas 
única fronteira
pela qual
anseio.


14/02/25

Ponte de Lima // Velvet Underground

Talvez esta predisposição para enfrentar desconforto não seja apenas coragem.
 Talvez esta coragem não seja sequer coragem.
 Talvez esta vontade suicida de ter coração aberto venha de um modo de amar sem medo mas também sem ilusões.
 Um mais que gostar da ideia da pessoa, de gostar de facto da pessoa.
 Da que conheço e da que permanece encoberta. 
 Gostar tanto do que sei de como o que não sei.
 Dizer "por mim fico" é muito mais que teimosia.
 Talvez seja mesmo muito mais que não ter medo de reconhecer o amor quando está à nossa frente.
 Talvez forçar-me a admitir que foi inesperado, não correspondido mas também enorme, avassalador, assoberbante,... seja a maneira de defender o quanto tudo foi bonito. 
 Não há nisto nostalgia. 
 Defender essa honestidade contra a vontade de me proteger é-me importante. 
 Talvez coragem não seja de todo a palavra para isso.

 Talvez seja uma predisposição para fazer caminho sem medo.
 Destruir cercas. Construir pontes. 


13/02/25

O que nos lixa... // The Clean

O que nos lixa não é encontrar uma pessoa que nos deslumbra e tira de nós. 
Mesmo que a companhia seja sempre prazerosa, que seja evidente que tudo está certo quando essa presença se faz sentir, que parece que o universo conspirou com cada passo que aquela pessoa deu e continua a dar na vida só para nos fazer sentir admiração e cumplicidade. 
Não obstante o quanto tudo isto também tem de assustador. 

Quando a autoestima incha consigo me convencer de que também serei bom para essa pessoa por me sentir preparado ou,  mais que isso, ansioso pelo momento em que ela sinta que em vez de fugir do desconforto o quer enfrentar. Certo de que do outro lado há algo melhor e que é por aí o caminho para fora de um vicioso circulo. Mas.. não obstante o quanto também isto também tem de assustador.. 

O que nos lixa é quando não temos razões para rir mas somos recorrentemente assolados de esperança e boa disposição.
Quando coisa é séria e impele a casmurrice mas algo cá dentro parece gritar "foi bom, foi bonito".
Como se o que se viveu fosse, mais que um aperto no peito, uma amostra de resposta para todos os desafios, problemas, ...
(..a diferença que uma abécula faz mesmo quando se esgadanha para voltar a desaparecer.)
É fodido! 😊
Suponho que perante desconforto essa predisposição faça a diferença. 
Este ânimo do "eu conseguia fazer isto" perante adversidades ou impossibilidades é algo de novo.
O "não deixar de ver problemas" mas com aquela presença (que nem precisa estar nas imediações mas que sabemos algures) ver mais soluções que problemas.
Não estou habituado. Será isto algum tipo de maturidade? É certamente mais que mera resiliência.
Não sei ainda se devia gostar desta força. Afinal, de que serve este sentimento se unilateral?
Mas tenho de admitir que gosto.
O pior é mesmo isso: não saber se este tipo de disponibilidade nasce de loucura ou de um amor genuíno e gratuito. 

Haverá diferença? 


05/02/25

Mina // prestidigitador // Gino Paoli // hoje não // Price of Milk



---"""---


o prestidigitador
simula
com truques de mãos
enganando
o destino

já estas minhas 
só recordam 
e reclamam 




---"""---

às vezes, 
de tanto doer o peito, 
canso-me.

é então que, 
como por mero passe de magia,
decido ficar bem disposto
(nem que seja 
só para chatear):

"hoje não.
por agora basta."

bem vistas as coisas...
 
apesar de tudo...

há muito tempo 
que um ano 
não começava 
de um modo tão bonito

e isso
já ninguém me tira.





 

04/02/25

"conclusão inamovível"

"conclusão inamovível"


Quando quis tocar,
as mãos tremeram
desejando 
mais coragem:
minha, tua, nossa.

Quis saltar
mas não sozinho.

Quis gritar o teu nome
mas a garganta traiu,
perdi o grito na língua,
engoli o verbo, 
afogado em silêncio.

(Aprendi.
Não sou.
Serei?)

Assim,
hoje
regresso a ontem:
observo
perdido em questões.

De consolo
saber que na tempestade
fiz a mesa 
para dois.

(Tu
és.)

Se quisesses
saberias tu 
chamar o meu nome?

em ti 
com vontade de ilha
senti casa.

(Vontade 
não é força.)

se honesta
serás forte.

serei fraco
se todo o meu afecto
não falar mais alto
que o desconforto.

tu queres não te magoar mais 
e afastas
eu quero não me magoar mais 
e fico:

desconforto 
porque 
desbravamos

(Será silêncio
força?)

na tristeza do meu silêncio
esteve uma mão 
dada 
com discreta alegria 
e a esperança
de quem se convenceu 
a aprender algo 
novo

(mas também para mim 
passinhos são difíceis 
quando para fora 
da zona de conforto

"desmistificar à bruta"?)

de bom grado
transmutaria 
horas em séculos

arrisquei
porque nunca fui bom
a encontrar 
meios termos.

todo.
todo.
todo.

meu
   bem.

tenho de reaprender
a ler:
"con-clu-são".
o som dessa palavra 
tem de ser mais alto
que a esperança
de que também tu 
estendas 
os braços.

(talvez 
o teu vazio
não tenha 
a minha forma.)

mas uma casa
é coisa rara.

resta uma saudade
que nem tu conheces:
"inamovível".



estada // Ruby Johnson

 


(Estava no meio da estrada atordoado. Espetei água na goela, vi se as asas estavam bem e deixei mais resguardado. )


- Não posso salvar todos.
- Pois não.
- Pois não?
- Especialmente quem não quer nem precisa ser salvo.
- É?
- Dizem que sim.
- Quem diz?

03/02/25

"o homem que corre" // latin playboys

 "o homem que corre"


O corredor vive entre asfalto quente e céu pesado, sempre à procura de algo que parece nunca chegar. 
A corrida é a sua maneira de gritar ao mundo. As pernas queimam, o suor escorre em rios de frustração e, ainda assim, a linha de chegada aparenta afastar-se a cada passo, como uma incumprível promessa.
Não corre por medalhas mas para se encontrar em algum lugar no meio da estrada, num qualquer pedaço do caminho onde a vida faça sentido, onde a cidade pare de gritar e ele finalmente consiga ouvir algo dentro de si. 
Talvez no local onde alguém que também procure algo venha ao seu acidental encontro. 
O problema da procura é que pode não ter fim. O corredor sabe disso, e por mais que os músculos gritem por descanso, ele continua. A vida exige-o. Vive na ilusão de que, um dia, ao atravessar a linha, encontrará a resposta que procurou. A verdade é que no momento em que alcança o que pensa ser a meta, percebe que há sempre mais um quilômetro a percorrer. E no final, tudo que ele tem é exaustão e uma sensação amarga de que, talvez, o sentido da vida nunca esteja realmente na linha de chegada, mas em cada passo "em falso" dado na tentativa.

---"""---