"Let everything that's been planned come true. Let them believe. And let them have a laugh at their passions. Because what they call passion actually is not some emotional energy, but just the friction between their souls and the outside world. And most important, let them believe in themselves. Let them be helpless like children, because weakness is a great thing, and strength is nothing. (...) "
de "Stalker" (Andrei Tarkovsky)
com a cabeça cheia de cansaço, tentando ensinar o impossível.
Eles não querem saber, nem entender o que se diz,
o que se sente, só percepcionam o barulho das horas
que caem no chão.
É assim que os querem.
Foi para isso que nos moldaram:
servis; complacentes.
Ninguém se importa
com a porra da equação.
Poetas estão mortos,
artistas faliram, e os alunos estão apenas
à espera do fim
da aula,
do dia,
de tudo.
A velha luta está lá, todos os dias, de camisa suja, a dizer coisas para ninguém ouvir:
que há mais que o conteúdo bolorento.
Que urge aprender a ser.
E não querem. Não deixam.
Competir em vez de cooperar.
A vida das nove às cinco.
A meritocracia.
Os vinte cães a um osso.
Mas tu insistes, insistes porque sabes que, no fundo, alguém se vai lembrar, alguém vai carregar aquela merda por um minuto, um mísero minuto.
E esses sessenta segundos,
talvez sejam o suficiente para um dia apagar um pouco o absurdo da existência. Porque, no fim, o que sobra não é o que se ensinou, mas o que, apesar de tudo,
o jardineiro cuida e rega o jardim todos os dias. esteja doente ou rijo que nem um pêro e, pasme-se, faça chuva ou sol. é digno de se ver o jardineiro cumprir funções sobre enxurrada. ele próprio parece não saber explicar. "só sei cuidar do que gosto." -dizia "não gosto mais quando faz sol nem menos quando está encoberto!". há quem cultive para colher ou mesmo para esquecer e sossegar o coração do rebuliço dos dias. o jardineiro cultiva para ver crescer tanto rosa quanto mal-me-quer mas ama igualmente a erva daninha. recusa veemente cortar o mais pequeno rebento para ofertar a sagrados pés consciente que sagrada é a puta da vida quando não a tememos e o fruto dessa sincera devoção. o jardineiro aprendeu a abraçar o impossível. é esse o despretensioso segredo no sorriso do jardineiro.
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"cinema"
não é por ser teu
que sempre serei óbvio.
é na fricção com o desconhecido
que a vida se revela.
há entre céu e inferno imperceptíveis razões e, se em ti nasce sol, pode em mim florescer a tempestade sem que nenhum se ofusque.
ou, como alguém um dia simplificou: "tu fazes à tua maneira, eu à minha".
"Dezanove" I Envelheço com olhar imune ao rancor. II O passado foi promessa.Passo por ele apenas para cumprimentar.É aí que rego as flores. III Nos cadernos escrevo como uma criança:lápis de cera carregado de honestos erros. IV Piso o chão como ave noturna que nidifica. V Bonecos desmontados, não encontro coração.Ofereço a presença à promessa. VI A árvore abana e teima em não cair.Escondo o rosto mas ofereço a voz. VII O casal dissipa com a neblina matinal. VIII Mato a sede descendo o poço.Mato a fome sussurrando. IX Onde caio nascem rios. X Deixava as palavras ao sol até queimarem.Esmigalhando o silêncio. XI Esqueço como quem não quer. XII Se estou só e escrevo desafio o silêncio?Se algures alguém se inquieta estarei só? XIII Aconteceu-me o sol.Por isso escrevo. XIV De noite abraço o que ficou. XV Levanto corpo inerte e parto na esperança de encontrar. XVI Frio e vento perturbam o rio. XVII A luz tomba sem som.Com um movimento de mão afasto o medo.Acendo velas com o olhar. XVIII Aos que aguardam farei fontes.Onde caio nascem rios.Onde fico perco -me.Onde chego estou. XIX O corpo declara guerra.Fixo olhos até que tudo seja ontem. Aí faço paz.
há direcções que apenas se percepcionam à chegada.
o afecto não permite restrições nem cedências.
única mitologia que dá provas do divino.
testemunhei frequentemente a sua capacidade de banalizar o sobrenatural.
professo.
é ela
que faz
com que cada passo
que dou
desista
de ser o último.
antes de adormecer
não rezo;
após
despenteio.
fre
quen
te
mente.
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"Cavalheirismo"
nestes dias
desisti
de castelos, cavalos, princesas, demandas e banquetes.
na verdade embora idealismo e conduta possam enganar, nunca fui adepto.
estou na idade em que entro no mais mal frequentado dos bares na esperança de ser esfaqueado e acabo sempre por sair com novos amigos. está cada vez mais difícil ser vítima.
deixem passar a meia noite e testem.
dragões fazem as melhores conversas.
devoram apenas carne humana que tresande a medo.
a maioria gosta de trocar histórias e mostrar fotos dos filhos.
basta um pouco de jeito e até vos revelam o segredo do perpétuo fogo interior.
"confissão II"
já vos aconteceu
reler poemas
até à exaustão
tentando tirar deles
um significado
só vosso?
como se hoje,
conta tudo o que julgamos
verossímil,
ao tomar banho
ou fazer barba
ou arrumar a casa
ou pôr a mesa..
nos fosse finalmente
anunciado
um esperado retorno
"confissão I"
há dias em que acordo
e me pergunto
se quero continuar aqui
quando a resposta é sim,
parto daí.
quando é não
peço-me
um pouco mais
de paciência