20/05/22

Reflexões sobre Desgaste // "Amor" e "Adultos" de Vladimir Maiakovski // Leituras

Se sentisses o mesmo amor também tu (ou deveria dizer, sobretudo tu?) terias o impulso de tentar chegar a mim "contra tudo e contra todos", não? 

Mesmo que fosse "contra mim", tentarias tal como eu fiz contigo? 

O vulcão cuja lava me engoliu.




 ------  Reflexões sobre Desgaste  ------ 

(Será normal não me lembrar de dizeres "amo-te" uma única vez? Só me recordo de perguntar naquele fatídico dia do oceanário e dizeres que sim usando o passado.  Estarei errado ? Estarei eu a bloquear alguma outra vez e a ser injusto? 

E no entanto nestes meses desde janeiro senti amor. Meu e teu. Estarei enganado na minha perceção? Até no dia que no Porto que seria um dia teu, entre o tributo às mulheres do rock português senti-me amado pelas tuas palavras. Eu que sou provavelmente a pessoa mais atrofiada a receber prendas derreti-me completamente quanto reparei o que fizeste na camisa que me ofereceste nos anos. 

Não soubeste dizer o que foram para ti estes meses. Foi uma das perguntas que te levou a ficar um dia sem falar e depois vires ter comigo já com decisões tomadas. (Será normal partir dessa tua postura para pensar que se houve "cobrança" de coisas do passado ela partiu de ti?

Eu nestes meses tive os meus receios e inseguranças é certo mas não só amei como também me senti amado!  

Enquanto eu me apaixonei e me voltei a apaixonar cada vez que reatámos tu apaixonaste e desapaixonaste e talvez tenhas demorado este tempo a perceber. 

Hoje enquanto olhava para os "meus" livros recordava que os leste logo no principio. 

acho que te queria assustar com o meu pior seja no desespero que eles têm seja na promessa do "amor e uma cabana para sempre". mesmo quando dizia que esta promessa de um sentimento que muda, adapta e no entanto permanece imutável para mim é real e na minha experiência não é o cor de rosa dos livros. que desgasta a maioria... não me devo enganar se disser que os leste e tiraste apenas o bom. o "gajo sensível". o gajo que quando ama o faz com uma intensidade louca. sem dar importância ao peso e aos tons de de negro que povoavam bastante aqueles escritos nem aos meus avisos que esta intensidade de sentimentos a longo prazo não é para todos. 

ainda estava a milhas de reconhecer que muito daquele negro pode ter solução com ajuda profissional. também nunca sonharia sequer chegar a um estado como aquele dos dias que rodearam o episódio do oceanário. (conseguiria chegar a este estado actual em que encaro o trabalho com esperança sem toda essa história?)

apenas pensei "não me levou a sério quando digo que isto desgasta e raros ficam." mas o que pensei não foi o que senti. senti-te cúmplice num "se é para ser será agora!" que se tornou tão nosso e tão incrível. senti que talvez me visses no melhor e pior e não te tivesses assustado.

depois ouvir falar da saturação a cada quebra. senti que não tens força para alguém que está mal porque também tu estás mal. senti-me culpado de muita coisa. mas sobretudo de toda a minha resistência à mudança e da incapacidade em reunir força para me tirar do lodo. nem sempre foi falta de vontade. não foi fácil. dizerem-me  que num quadro de depressão latente ir buscar essa força por vezes é colossal e termos essa vontade já é um bom ponto de partida não me faz sentir melhor com isso. queria ter-te/nos poupado. queria que não me tivesses deixado de amar por isso. Terei de me contentar com a força que ganhei entretanto e com conseguir olhar para trás sem o pedo de outrora.  

desde final do ano passado tentei melhorar por mim e para mim. demorou a começar. estou agora nesse processo sem garantias. espero, nos altos e baixos da vida, ter força para o assumir para sempre. 

ficou claro desta última vez que os elementos dessa "saturação" não estão só em mim. e o que para mim foi um processo complicado de querer mudar e ficar melhor não é fórmula universal. podes nem sentir que há coisas a resolver do teu lado e tudo isso é válido e legítimo. 

depois recordei que começámos ambos num russo: "noites brancas" do Dostoiévski 

então peguei no Maiakovski. e afundei no sofá. )

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"Coltrane was the Father, Pharoah was the Son, I am the Holy Ghost" -  Albert Ayler 

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 "Amor"

Um dia, quem sabe,

ela, que também gostava de bichos,

apareça

numa alameda do zoo,

sorridente,

tal como agora está

no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,

que, por certo, hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século

ultrapassará o exame

de mil nadas,

que dilaceravam o coração.

Então,

de todo amor não terminado

seremos pagos

em inumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,

nem que seja só porque te esperava

como um poeta,

repelindo o absurdo quotidiano!

Ressuscita-me,

nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!

Quero viver até o fim o que me cabe!

Para que o amor não seja mais escravo

de casamentos,

concupiscência,

salários.

Para que, maldizendo os leitos,

saltando dos coxins,

o amor se vá pelo universo inteiro.

Para que o dia,

que o sofrimento degrada,

não vos seja chorado, mendigado.

E que, ao primeiro apelo:

– Camaradas!

Atenta se volte a terra inteira.

Para viver

livre dos nichos das casas.

Para que doravante

a família seja

o pai,

pelo menos o Universo,

a mãe,

pelo menos a Terra.



"Adultos"

Os adultos fazem negócios.

Têm rublos nos bolsos.

Quer amor? Pois não!

Ei-lo por cem rublos!

E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado.

À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas.

A mim Moscovo sufocava-me de abraços com seus infinitos anéis de praças.

Nos corações, no bate o pêndulo dos amantes.

Como se exaltam as duplas no leito do amor!

Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais.

Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos de água.

Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores!

Doravante não sou mais dono de meu coração!

Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!

O coração tem domicílio no peito.

Comigo a anatomia ficou louca.

Sou todo coração - ruge por todas as partes.

Oh! Quantas são as primaveras neste trémulo corpo acumuladas?

Uma tal carga ainda por estrear torna-se simplesmente insuportável.

Insuportável não para os versos, mas na realidade.


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Mais umas belas leituras novas (e outras recorrentes)💓 :





















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