27/12/25

Snapped Ankles // "Lazaro?" // Fool's Gold

 

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saudade não é falta,
nem excesso de silêncio.
é quando o não dito
fala alto.

ausência 
é maneira de estar
sem estar.
uma presença educada
que não se senta.

não escrevo
porque escrever é uma forma de chegar
e estamos proibidos de chegar.

as regras 
têm esta crueldade discreta
de parecerem necessárias.

Tenho um nome
para todo este cuidado 
em não dizer o teu nome.

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21/12/25

The Fall // "Vento" // Bill Callahan



 o vento arrasta
 tudo o que virá
 sem forma e sem nome
 o futuro será 


"Café" // Cleaners from Venus

"Café?"


A saudade não pede licença, entra a pontapé,

fica quando tudo falha e orgulho cai.

Uma chónice do caralho.

Não salva ninguém, mas aguenta o dia,

como um murro no meio do peito.

Eficaz. 

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20/12/25

Dream Syndicate // "o equilibrista" // Nicotine's Orchestra


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"o equilibrista" 

trago o nariz torto 
a alma à mostra
e com eles danço no meio da sala,
ninguém se salva da própria máscara
quando o absurdo decide ser terno. 


fico assim, desajeitado,
como quem pousa o casaco no riso,
e percebo: só somos inteiros
quando não fingimos estar direitos.


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19/12/25

Tall Dwarfs // "repetição #2"

"repetição #2"


 Acordo.
 Sento.
 Levanto-me para continuar.
 Nada acontece.
 Mas agora com mais luz.
 

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07/11/25

"hora de inverno" // My Bloody Valentine

 "hora de inverno"


a hora atrasa, 
a rua muda de pele
e o impossível 
pede abrigo


17/09/25

"as crianças não fazem barulho" // Pram


 "as crianças não fazem barulho"

(Palestina 2025)

o ecrã brilha
com um tipo de luz
que não aquece,
mas queima devagar.

fazemos scroll 
enquanto um corpo pequeno
é retirado dos escombros 
como se fosse 
um saco de arroz estragado.

vendem medo
em brilhantes embalagens
com música épica de fundo.

milhares de partilhas.
milhões de olhos.
nenhuma lágrima.

há dinheiro a ser contado
enquanto os ossos partem,
há contratos assinados
por mãos
que nunca 
empunharam uma pá
para enterrar ninguém,
mas que desenham mapas
com sangue.

as pessoas dizem
"é muito complicado"
e depois voltam à pizza,
à série,
ao sofá.

sem ninguém para varrer,
os corpos acumulam-se
como folhas de outono.

há, no entanto, coisas 
que não conseguiram matar:
o olhar
pequeno, sujo, faminto,
que ainda acredita.

uma mão que se estende 
quando tudo ensina 
a fechar o punho.

mesmo entre ruínas,  
a esperança é teimosa.
às vezes disfarçada de loucura,
ou de poesia mal escrita.

está viva.
e um dia vai gritar 
mais alto que todas as bombas!

Ouçam o que vos digo!
Falo do que sei.

A esperança é teimosa!


15/09/25

"fim de tarde" // John Adams // "repetição" // and also the trees

"fim de tarde"


os candeeiros 
               acordam 
o relógio derrete sobre a pele do rio
e os pássaros 
                tropeçam no silêncio

no entardecer 

desfaz-se o nome das ruas

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 "repetição"



tentamos 
justificar a repetição.

promessas não enchem bolsos.
o café já não funciona.
as máquinas estão cheias de ferrugem 

cada reunião 
apaga-me 
um pouco mais 
o nome.

tiro o lápis da boca, 
desenho a saída no chão


01/08/25

"raro" // Loscil // "verão" // Mystery Lights // "urgência" // Erik Satie // "nem" // "carta" // Carol & Snowy Red

 "raro"


raramente
encontro
o que eu quero

o que eu quero 
é a verdade.
o que eu quero 
é escrever 
sem pensar quem vai ler.
o que eu quero 
é quem saiba ler
e sentir.
o que eu quero 
é uma pele
que me procure 
e uma alma
que não se assuste.

o que eu quero 
é não ter de sorrir 
quando sinto os lábios presos.
o que eu quero 
é sair da cama 
sem ter de negociar.
o que eu quero 
é que a cidade 
pare por uma tarde.
quero 
uma mesa 
sem falsas promessas
que guarde  em si 
todas as possibilidades.

o que eu quero 
é continuar.
o que eu quero 
é falhar 
e continuar
o que eu quero 
é continuar sempre
a encontrar beleza 
nas coisas quebradas.
é não ter de esconder nada 
dentro de palavras.
o que eu quero 
é um pouco de céu
em cada beijo.

o que eu quero 
é que a luz 
não se esqueça de mim
tal como eu
também na escuridão
por ela
insisto. 

o que eu quero
é quem,
com os pés 
bem assentes na terra
teime em voar.



"Verão"

as noites 
não expressam, 
por si mesmas, 
sentido algum

apenas calor.
acumulado nas paredes.

procura-se amor
como quem procura sombra.

sonha-se
como quem sacia sede.



"urgência"

porque o dia finda
porque o coração vai
porque o tempo ensina
porque a noite cai

porque, 
contas feitas, 
talvez 
a única coisa 
que tenhamos verdadeiramente 

seja uns aos outros.



"??"

às vezes, a cidade faz-se ouvir
só para lembrar que ainda há tempo
quando isso acontece,
da confusão faz encanto.

às vezes o olhar 
alonga-se
sem nome, nem plano 
apenas possibilidade

como quem esquece a pressa
não trocamos apenas nomes,
mas trocamos o rumo do dia.

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"nem"

nem toda a fome 
é 
vontade de comer 

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"carta"

o silêncio cresce 
como ferrugem
no portão

um dia 
rangíamos juntos
outro dia 
não